terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

‘A pobreza no Brasil tem cara: é mulher, negra e nordestina’ Eu diria também moradora da Baixada Fluminense.

Mas com programas voltados a mulher, essa pobreza vem diminuindo, segundo a educadora e superintendente executiva do Instituto Unibanco, Wanda Engel 
A igualdade de direitos entre homens e mulheres foi reconhecida internacionalmente pelas Nações Unidas apenas em 1945. São quase 70 anos que deveriam ser comemorados. Mas as palmas ainda precisam ser contidas por uma série de dificuldades que a mulher ainda enfrenta. Elas são 55% da população mundial e apenas 40% do mercado de trabalho.

A Organização Internacional do Trabalho aprovou em 1951 a igualdade de remuneração entre homens e mulheres para uma mesma função. Mas hoje elas representam apenas 10% da renda no mundo. O Brasil ajuda a piorar esse cenário. O país tem um dos maiores níveis de disparidade salarial, os homens ganham aproximadamente 30% a mais que as mulheres da mesma idade e mesmo nível de instrução, segundo estudo do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento). Considerando somente a raça, a população indígena e negra ganha em média 28% menos que a branca. “A pobreza no Brasil tem cara: é mulher, negra e nordestina”, afirma Wanda Engel, educadora, superintendente executiva do Instituto Unibanco e ex-chefe da Divisão de Desenvolvimento Social do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento).

Um dos projetos que ajudou a diminuir essa pobreza, na opinião da educadora, é o Bolsa Família. Quando Wanda era Secretária de Estado de Assistência Social, ente 1995 e 1998, ela criou os primeiros programas de transferência de renda, baseados na mulher. Esses trabalhos possibilitaram a criação do Bolsa Família, que tinha como foco a mãe como chefe da casa.

A educadora é a única brasileira a participar do Conselho Internacional de Liderança Feminina em Negócios, cujo encontro inaugural foi realizado em 24 de janeiro deste ano, em Washington, nos Estados Unidos, tendo como anfitriã a secretária de Estado americana, Hillary Clinton. O objetivo dos encontros será discutir estratégias e exemplos de boas práticas mundiais que promovam o papel e a importância da mulher na economia global. Na reunião, Wanda ficou encarregada de apontar os problemas e melhorias da mulher no cenário brasileiro. Ela contou um pouco a Época NEGÓCIOS sobre as discussões.

Qual foi o resultado da primeira reunião do Conselho Internacional de Liderança Feminina em Negócios, com a Hillary Clinton?
O foco do conselho é a mulher, mas não os direitos dela. O objetivo foi discutir como podemos, ao priorizar a mulher nas políticas sociais e econômicas, ter impacto maior dessas políticas. Os dados nos mostram que sempre que a mulher assume responsabilidades de projetos, o resultado é satisfatório. Com pouco investimento, conseguimos grande retorno. A mulher também tem um impacto grande nos indicadores sociais: mortalidade infantil, desnutrição e abandono escolar. Todos estão ligados claramente às características da mãe, ao nível de escolaridade dela. A mulher acaba sendo quem dinamiza as transformações econômicas e sociais. O produto desse conselho é criar recomendações para os países e mostrar que o investimento na mulher traz um impacto positivo.

Quais são os bons modelos?
Podemos começar falando do Brasil. Programas como Bolsa Família são um bom exemplo. Adotamos como princípio que esse programa seria feito em nome da mulher, da mãe como chefe de família. A África do Sul tem outro bom exemplo. Eles fizeram um trabalho de capacitação da mulher, quando houve a redemocratização, para que elas entendessem as novas leis contra o Apartheid.

Qual é a situação da mulher hoje?
A situação da mulher não é boa nem nos países desenvolvidos. A própria Hillary Clinton contou na reunião que há 40 anos ela teve dificuldades de ter um cartão de crédito em nome dela. Simplesmente porque ela era mulher, só quem podia ter cartão era o homem. À medida que existem essas restrições para a participação da mulher, os países estão perdendo um aporte significativo de contribuição para o desenvolvimento, ou seja, a discriminação não afeta somente a mulher discriminada, afeta o país, afeta o mundo, porque está jogando fora uma potencialidade incrível.

A senhora pode dar um panorama da mulher no mundo?
As mulheres são 55% da população mundial, mas são somente 40% no mercado de trabalho, 10% da renda e apenas 2% da participação política. É impressionante. Em relação ao Brasil, melhoramos. Saímos de 7% para 10% de participação política feminina, de acordo com dados de 2010. No Senado a ala feminina representa 14,8%, na Câmara 8,8%. Nas instâncias decisórias dos partidos, o Brasil tem um dos percentuais mais baixos, onde as mulheres ocupam apenas 16% dessas cadeiras, bem atrás da líder, a Costa Rica, com 41%. Os piores da América Latina são o Panamá e o Chile, ambos com 13% e a República Dominicana, com 14%.

Comparando a mulher brasileira com outras regiões, qual é o nosso nível?
Estamos em um nível intermediário. Os pobres cresceram mais do que os ricos. E a pobreza no Brasil tem cara: é mulher, negra e nordestina. E essa pobreza diminuiu. Os países nórdicos têm uma situação mais equilibrada. Mas os países árabes, por exemplo, em que a religião tem um papel muito forte, a situação ainda é muito ruim. Mas isso está melhorando. Nos Emirados Árabes Unidos muitas mulheres já estão na universidade e no Governo.

E como fazer para diminuir a diferença entre homens e mulheres?
Se quiséssemos colocar o dedo na raiz do problema precisaríamos entrar no campo educacional, não só garantindo uma escolaridade mínima para todos os filhos de pobres, mas garantindo o Ensino Médio, que é o que realmente ajuda no ingresso ao mercado de trabalho. Temos um problema seríssimo nesse campo. Muitos dos nossos jovens nem entram no Ensino Médio e outros estão desistindo. Se quiséssemos criar uma nova percepção do que é ser homem e do que é ser mulher, precisaríamos investir pesado nessa educação. Os homens, por exemplo, são 90% da população carcerária no Brasil. Precisamos criar uma outra percepção desses padrões femininos e masculinos.

Muito do seu trabalho está ligado ao Ensino Médio. A senhora criou o projeto Jovem de Futuro, que busca diminuir a evasão de alunos do Ensino Médio. Ele seria então a chave para o crescimento do país?
Com certeza. O crescimento sustentável no país hoje depende da entrada dessas novas gerações no Ensino Médio. Os jovens precisam, além de aprender português e matemática, desenvolver outros valores positivos em relação ao crescimento. Precisam perceber a importância do esforço, da igualdade, da paternidade e maternidade com responsabilidade, do respeito e da solidariedade. São valores essenciais que podemos chamar de capital social. Os exames revelam que os nossos jovens sabem muito menos do que os jovens de outros países. É claro que precisamos melhorar a qualidade da nossa educação, mas eles precisam estar dentro das escolas para isso, não podem desistir. Também precisamos mudar essa mentalidade machista, que atrapalha o avanço da mulher.

A mulher ganhou mais espaço no mercado de trabalho, mais ainda se discute muito os seus múltiplos papéis na sociedade, como ser mãe e chefe, por exemplo. Como lidar com isso?
Ela sai do seu papel doméstico para também produzir renda. A mulher não pariu sozinha, é uma responsabilidade que precisa ser dividida com os homens. Ser homem não é ajudar a mulher em casa, mas exercer o seu real papel de homem. A outra coisa é a questão da maternidade e paternidade com responsabilidade. Temos um bom exemplo na Costa Rica. A mulher não sai da maternidade com a criança se não revelar o nome do pai. Se ele aceita a paternidade, precisa registrar isso na certidão. Se ele não aceita, o Governo paga o exame de DNA. Se ficar comprovado que ele é o pai, além da responsabilidade de assumir a criança, ele ainda precisa pagar o exame de DNA. E, obviamente, assumir todas as responsabilidades financeiras da criança. Se ele não for o pai, quem paga o exame é a mãe. Com essa lei, diminuiu a gravidez na adolescência na região. Isso porque ambos sabem que têm responsabilidade por aquele ato. No Brasil, chega a 20% o abandono escolar por gravidez precoce.

O Governo, então, precisa intervir?
Sem dúvida. Ele precisa ter políticas como creche para os filhos dessas meninas para que elas continuem os estudos. A mulher não precisa deixar de trabalhar para cuidar da criança, mas precisa de políticas governamentais que a possibilitem exercer todos os papéis, além de contar com a ajuda do marido, é claro. Quando eu era Secretária de Desenvolvimento Social do Rio de Janeiro, queria colocar uma lavanderia nas favelas para que as pessoas pudessem, com R$ 1 lavar e secar as suas roupas. Isso ajudaria profundamente no gerenciamento do tempo da mulher. Teria sido ótimo. Mas não deu tempo de implantar essa política, saí do Governo antes disso.

Amanda Camasmie, de Época Negócios

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